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Escrevendo em margens

Margem. Margem que marca o limite, que localiza algo que não o centro, que está à beira, é borda e cerca. Aquilo que marca a fronteira com o intransponível. Dentre os muitos significados de margem, venho pensando especialmente neste: margem marca o “espaço em branco em volta das páginas de um impresso”.
Foram muitos anos de conflito entre deixar o texto correr solto e estabelecer limites. Limites do gênero literário (do tipo “e você, escreve o quê?”), do tamanho ideal de caracteres para não criar um texto nem curto nem longo, de não tocar em assuntos sensíveis para não desagradar, do estabelecer a estrutura narrativa perfeita ( porque “ninguém aguenta mais a jornada do herói!”), do mostrar, não contar. Sempre parecia haver alguma regra ou alguma recomendação sendo violada, enquanto os escritores se aventuram sem rumo além das margens em busca de nada além de uma boa história.
Padrões e terminologias existem ou criam-se para atender uma demanda externa de categorização, organização. E eu adoro isso – o sol em virgem não me deixaria sentir o contrário 😃. Talvez por amar tanto foi que as persegui como um Ícaro, ávida pelo perfeccionismo que, no fim, quando falamos de arte, não tem espaço para existir.
“455555555555555555555555555555555555,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,3+”
[PAUSA] Enquanto escrevia esta edição, minha gata optou por se deitar no teclado e saiu a mensagem acima, a meu ver indecifrável. A princípio, pensei em apagar. Mas, já que estamos falando de perfeccionismo, vou deixar o (d)efeito pela licença poética. E não, não acho que essa sequência de números sejam boas opções para jogar na Mega-Sena 💔.

Fiquem, no entanto, com a foto desta beldade.
Ouvi há algum tempo numa dessas conversas de bar que “escrever é traduzir aquilo que se passa na nossa cabeça”. E como toda tradução, muito bem servida pela língua portuguesa, pode-se optar por diferentes decisões para a mesma frase. Podemos mover palavras de lugar, distorcer a ordem sintática, recorrer a termos de semântica mais ampla ou extremamente específica. Podemos interromper um longo fluxo de orações com ponto final. Intercalar com uma frase ainda mais curta. Dobrá-la, com vírgulas, ao meio. Estender o ritmo para além do fim, com eco, com reticências que fazem a palavra reverberar como se não tivesse fim… E voltar ao começo, ler tudo de novo. Editar e reescrever. Deletar. Fingir que nada disso existiu.
“A arte nunca está terminada, é apenas abandonada.”
Tenho tentado me reconectar com a escritora que um dia já fui. Aquela que concluiu quatro originais na adolescência, sem nenhum tipo de planejamento. Ou a que arquitetou dezenas de escaletas que jamais chegaram a virar livro. Contudo, elas já não me são familiares. Talvez minha busca esteja em algum lugar no meio delas, afastando-se das margens, entre dois extremos – ou mesmo fora deles.
Todos esses pensamentos soltos, que para você podem não fazer sentido algum, começaram a martelar quando li um livro de ensaios da Elena Ferrante chamado As margens e o ditado. Ele começa fazendo uma analogia às páginas de caderno que usamos nos primeiros anos escolares da nossa vida. Aquele mesmo, pautado com linhas azuis e margeado de duas colunas vermelhas, sinalizando até onde nossa escrita pode ir. Somente até ali, não além.
“Escrever era movimentar-se dentro daquelas linhas, e aquelas linhas foram a minha cruz. Estavam ali para assinalar […] que, se sua escrita não ficasse fechada dentro daqueles fios estendidos, você seria punida.”
Quando não estamos buscando nosso encaixe dentro de margens, os outros tendem a fazer isso por nós. Se você é nordestino, então tudo o que você escreve é literatura regional. Se você é mulher e escreve fantasia, então és autora de romantasia. Se você escreve um romance a doze mãos, com cada autora responsável por um capítulo, então é ele um romance (não no sentido romântico da palavra) ou uma antologia?
1 ano de Às margens do tempo
Em tempo, no dia 15 de julho comemoramos o aniversário de 1 ano de publicação de Às margens do tempo, publicado em 2023 pelo selo Harlequin da Harper Collins. Já comentamos em diversas ocasiões como foi uma experiência mágica escrevê-lo. Como nos conectamos ao ponto de descrever ambientações da mesma forma, mesmo separadas em diferentes regiões do país, escrevendo em documentos distintos do Word e sem nunca ter combinado detalhe algum. No entanto, eu tenho um apego especial pela simplicidade e pluralidade de significados que o título traz. É uma história de mulheres às margens da sociedade e à mercê do tempo. Uma história que se passa às margens de um rio. Uma história onde deixamos transbordar as margens que cerceiam cada uma de nós.
#MomentoJabá: Às margens do tempo está participando da Prime Day e até o final da promoção, você pode encontrar o livro físico com mais de 50% OFF na Amazon e o ebook por modestos R$9,49.
Para continuar a reflexão:
Em momentos distintos, a escritora Giu Domingues e a influenciadora literária Mira comentaram suas questões com o termo “romantasia” e como devemos tomar cuidado ao usá-lo para classificar livros de fantasia escritos por mulheres:
Indicações de leitura:
Ensaios de Elena Ferrante sobre os prazeres de ler e escrever. Gostei particularmente das reflexões que ela traz, e é sempre uma grata experiência entender como a mente de outros artistas funciona. Acho que temos muito a aprender uns com os outros. | A bíblia dos roteiristas, escrita por John Truby numa edição belíssima da Seiva e com tradução de Isadora Prospero. É minha leitura atual e já estou fascinada com como o autor começa criticando justamente essa necessidade de escrever em margens fórmulas. |
Não tenho um pensamento final para fechar esta edição, então encerremos por aqui. Como sei que muitos de vocês se inscreveram para coletar aprendizados de marketing para livros, prometo que focarei mais no assunto na próxima newsletter. Proponho que me enviem dúvidas, também. Assim posso focar no que lhes interessa. Espero que tenham curtido ou extraído algo a se pensar dos pensamentos soltos de hoje.
Thank U, Next!
Valzinha :)
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